domingo, 26 de outubro de 2008

Análise dos sentimentos de culpa

Os sentimentos de culpa- de remorsus ou morsus conscientia- têm suas origens ligadas ao domínio material do direito das obrigações, mais particularmente, das relações contratuais de troca, escambo, compra, venda, débito, crédito etc.

O sentimento da dívida, de obrigação pessoal, teve sua origem na mais antiga e originária relação pessoal existente.

A consciência de culpa se configura a partir da matriz originária da dívida, das relações obrigacionais de débito e crédito, compra e venda.

A faculdade de responsabilidade está ligada à representação e ao sentimento de prometer, de responder por algo perante alguém, de garantir-se a si mesmo, em relação a uma obrigação. Por sua vez responder por si, em relação a uma obrigação. Responder por si em relação uma ação ou omissão devida a alguém implica manter viva a memória, da palavra empenhada. Para isso é necessário ter presente na consciência os traços de uma vivência passada, o que requer que se suspenda, em relação a tais marcas, a força ativa e positiva do esquecimento.

O esquecimento não deve ser entendido como um déficit de memória, mas como uma poderosa força orgânica guardiã da saúde.

Se a força ativa do esquecimento- que não se confunde com um não poder se lembrar, mas com uma energia orgânica e plástica de assimilação do vivido, que libera espaço para a incorporação de novas vivências, - tão poderosa, então suspende-la exige a atuação de uma força de igual ou superior potência, a atuando em sentido contrário.

Deixar de cumprir uma obrigação- não se responsabilizar pela palavra empenhada- significa lesar o direito do credor, produzindo um dano sob pena de ruptura do equilíbrio primitivo.

Esse é o significado mais antigo da consciência moral. Ter consciência do dever implica saber-se detentor de um privilégio raro; o de ser sujeito de uma vontade própria, superior às forças da natureza, ser capaz de autodomínio; de poder manter intacta a cadeia da vontade, isto é, o nexo casual entre “eu quero” e um “eu farei”- a saber, a descarga efetiva- desse procedimento numa ação futura, interpondo-se entre tais termos uma longa seqüência de outras vivências, estados, afetos, circunstâncias sem que se rampa a cadeia da vontade, isto é, o nexo justiça é um conceito capital, não somente no plano jurídico-político, mas, sobretudo, no filosófico, na medida em que está no fundamento do conceito de objetividade.

A origem de justiça não deve ser buscada no direito penal, porém no domínio obrigacional do débito e do crédito.

Essa mesma matriz transporta para um outro plano relações, é ressignificada e ajustada a outros fins, a saber; servir de esquema para relações entre indivíduos e a comunidade à qual pertence.

Nessa relação, sempre de acordo com a lógica canhestra que domina o pensamento humano em seus primórdios, a comunidade- como organização coletiva que garante a vida em paz e segurança- aparece, perante cada membro individualmente considerado como um poderoso credor.

Todas as sociedades que alcançaram um grau consideravelmente de cultura e civilização comportam necessariamente um potencial de impulsos anti-sociais de maus instintos recalcados. Como estes não podem ser erradicados, têm de permanecer em estado de latência. Repassados em seu curso natural para o exterior, pressionam no sentido de exigir satisfação substitutiva, como alívio da tensão e do sofrimento causados pela repressão. Tais forças hostis estão sempre como que a procura de canais subterrâneos de escoamento. Ora, a interpretação moral da consciência do dever constitui um paradoxal experiente para alívio do sofrimento acusado pela pressão dos maus instintos. O golpe de gênio que a cria consiste em internalizar de maneira tão profunda o sentimento de dever, que acaba por fiar suprimida da relação obrigacional, toda e qualquer dimensão de exterioridade, mesmo aquela que ainda era mantida na forma de obrigação religiosa para com as ancestrais.

A interpretação moral da consciência do dever inverte a direção natural de descarga dos impulsos hostis e com isso libera um campo para a satisfação da vontade de causar dor: a via substitutiva por excelência vai consistir em fazer sofrer o próprio devedor. Dessa maneira os maus instintos podem se exercer sem impedimento.

Nos labirintos cavados na alma são encenados os motivos da culpa aturdidos pelo apreensivo sentimento de uma falta que tem raiz em sua própria natureza, a esse sofrimento vivo em que se converteu o devedor culpado só resta agora suplício, já que sua existência é falta a ser expiada.

Predomina a acepção de ascético colhida principalmente na ética de Schopenhauer. Trata-se da supressão da vontade própria, da renúncia aos impulsos de conservação e reprodução.

Esse modo de viver e valorar constitui a atmosfera virtual da existência ascético sacerdotal: a seleção instintiva das condições que lhe são propícias, seu instrumento de poder e a suprema legitimação.

1 Comentários:

Lenon Mendes disse...

Oi cara
dá uma passadinha lá no Neurônio X
que tem um prêmio pra você

Abraço